segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Funil


São como um corte em minh'alma,
Aberto desde que nasci.
Que sangra até agora.
Nebacetim?

A matéria na qual nunca tirei dez;
Nunca aprovado direto,
Mas a recuperação.
Se aprendi?

A esperança que sempre se mostra vã.
Eu mesmo embelezo a fantasia,
Mas sei: continuam iguais.
Haverá Amanhã?

Um funil no gargalo do meu ser,
Objeto desconfiado e filtrando
Damas que a mim descem.
O que aproveitei?

Teimoso e paciente, como um matemático,
Espero exausto pela mulher exata,
Que não é inteira, mas fração.
Simetria é perfeição?

São elas sempre a me perturbarem.
A tornarem-me vulnerável,
Fraco, tolo e
só!

Quem será você?
Mulher ida
E exata?
Minha!
(Fernando Vieira fim de ano)

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Nascido em nove de julho



Ontem eu encontrei meu inimigo, que tão de perto me segue. Eu, que às vezes penso não ter mais forças para lutar. Eu sei que, na verdade, foi ele quem me fez acreditar e agora essa idéia custa a sair da minha cabeça.
Quando você estiver nessas lutas não declaradas, onde o maior golpe que você pode dar é apenas resistir, dê corda para seu inimigo para que, quando ele menos esperar, você o surpreenda – surpreenda-se até, por que não? – com o ato mais impensado, impensado até mesmo por você.
Ontem eu fui pra luta, ciente de que todos os homens têm seus próprios inimigos, embora não pareça, porque é do homem o calar-se. Foi disso que arranquei forças: saber que todos estão sob constante ataque, a todo instante e que, por incrível que pareça, todos usam a mesma arma: o Silêncio.
Quando me dei conta disso e também dessa força misteriosa que insiste em nos humilhar, fazer com que beijemos o pó de nossa própria pele – pois é isso que é o pó – vi também a covardia. Pois é do homem usar a assonância da quietude em proveito próprio, mas, em contrapartida, desferir golpes mordazes contra seu semelhante. É aí que vemos o paradoxo: tantos homens brigando suas guerras fatais, urgentes, todos no auge de seus desesperos, como pés de milho agitados ao vento, mas que não fazem sequer um barulho; e quão absurdo é notar que estão fazendo tanto barulho, ao mesmo tempo, a fim de desmoralizarem seus irmãos de sentença, os quais lutam a mesma guerra, contra o mesmo inimigo, embora particular.
Ontem peguei meu inimigo e fiz dele minha força. Agarrei seu orgulho e bati, até sangrar, e quando sangrou enfim, bebi seu sangue. De meu inimigo bebi, enchi-me dele, para que eu fosse mais eu. Ele não esperava tal ato, nem eu mesmo, é verdade. Mas fiz e senti-me senhor de mim.
Quando ontem venci minha luta, supus que jamais veria meu inimigo de novo, achava-me vencedor e ao que vence há pouco a se ponderar.
Ontem, quando sobre nada ponderava, deitei minha cabeça no travesseiro, surpreso, ainda, de ter ido tão longe para derrocar meu algoz. Tão logo acordei, vi-me face a face com meu transgressor. Cheguei à conclusão de que ser homem é ter que matar seu inimigo todo dia, de preferência de manhã, para se ver livre o resto do dia. Mas a hora ninguém sabe, pois tudo à nossa volta liberta o que trancamos ontem, seja a nossa força, seja o nosso ser, nossa mente, nossas fadas...Sim, as fadas, são elas que os libertam, para que todo dia os matemos. Quer saber como matar seu inimigo todo dia? Encontre quantas fadas mais puder, desde de que sempre tenha uma certa. Porque a certa lhe trará sempre o seu inimigo e esse é seu dever matar; as outras que você arranjar, trarão outros inimigos, de outros homens, que você, matando, apenas se sentirá apto para matar o inimigo seu de todos os dias, todos os anos e todas as fases.
(Fernando Vieira – 23/12/2008).

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Agentes

As bactérias corroem um mundo
Até que ele esteja exaurido
Fossem elas inteligentes
Jamais teriam se extinguido.

Você é o mundo de alguém
Eis um motivo para sorrir
Mesmo que sem perceber
Por dentro esteja a lhe consumir

As bactérias corroem a Terra
Até que ela esteja destruída
Fosse o humano inteligente
A própria cova não cavaria

Quem sabe não seja essa
A regra da vida:
A bactéria corrói o humano
O humano à Terra

E quem sabe a Terra
Por apenas girar na órbita do sol
Não cause a extinção do universo?
E quem sabe o universo, por apenas pulsar...
(Fernando Vieira – 22122008)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O que espero de 2009:

Eu odeio panetones. Só gosto da massa, não agüento aquelas frutinhas cristalizadas, muito menos aquelas uvas que parecem passadas! (Vai ver que é por isso que as chamam de “uvas passas”). Mas aconteceu que recebi um presente de minha chefa: Um panetone da Ofner. Meu tio, que trabalha comigo, garantiu que era um dos melhores panetones que se vendiam no Brasil. Levei o panetone pra casa, com uma vontade de come-lo inteiro – muito embora nunca gostara destas tradicionais guloseimas natalinas. Mas a maneira como meu tio me falou, e a maneira como o dito fora encaixotado, embalado...Enfim, tomei coragem e decidi que hoje – ontem na verdade – eu iria comer um panetone sem fazer dele um picadinho. Quem não gosta das frutas sabe do que estou falando. Meu sobrinho, por exemplo, só gosta das frutas, é a pessoa perfeita para se comer um panetone quando só se aprecia a massa. Mas voltando à lição de vida sobre o panetone, comi três pedaços generosos com frutas, uvas e tudo o mais. E sabe que não estava ruim? É claro que havia certas partes que não me foram possíveis comer – aqueles pedaços que não contém massa nenhuma, só fruta – Fora isso, aceitei o panetone do jeito que veio. Então, aí fica o meu conselho para 2009: Aceite a vida do jeito que lhe vier. Se você não tiver ninguém para compartilhar sua vida, como meu sobrinho, despreze apenas os exageros, de resto, coma a vida inteira que lhe espera em dois mil e nove. Porque, por pior que seja o que esteja ingerindo, é melhor do que passar fome. Já dizia Nietzsche: devemos esperar o pior, pois é essa mania do humano, de nunca estar contente com o que tem, que lhe faz tentar lutar contra o destino, o que lhe acarreta só infelicidade. Tá bom, eu confesso: ele não disse exatamente isso, mas foi o que entendi dele. Feliz Natal e Ótimo Ano Novo!!!

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Tatuado


Eu me sentia um animal em direção ao matadouro, sempre que ela me chamava. Não havia paz, nem liberdade, apenas sufoco e apreensão. No entanto eu ia, feito um bicho que não podia mudar seu destino. Era como se eu tivesse sido marcado a ferro e como se ela me dissesse: “quero ficar no teu corpo feito tatuagem, que é pra te dar coragem pra seguir viagem, quando a noite vem...” Mas seguir viagem me era fácil, difícil era chegar, mas eu chegava. E assim eu ia levando aquela escrava. Eu que pegava, esfregava, negava é verdade... Mas não lavava.

Ela, alucinada, me iluminava, dançando em meu corpo, feito bailarina, quando a noite vinha, ignorando meus músculos exaustos, repousava frouxa, murcha, farta, morta de cansaço. E não me largava, embora a despistasse, ficara marcada, posta em minha pele, de mim não desistia.

Eu não a esquecia, embora soubesse que não havia mais jeito; apesar de saber que não era bom ligar – e não fazia – mas ela ligava, escrevia, insistia. “Quero pesar feito cruz nas tuas costas, que te retalha em postas, mas no fundo gostas, quando a noite vem...” E lá seguia eu, meu ego enaltecido, meu corpo picado, riscados meus lombos, não querendo sangrar mais, nem de raiva, nem de dor, mas sangrava. Ela, uma boceta aberta em mim, querendo ser cicatriz, mas ria, corroia, vazava. Aberta a frio, a ferro e fogo, o nosso fogo, a carne viva.

Minha lembrança latejando seu gosto – meu gole – a flor aberta e delicada, que até hoje me arpeia, Sereia, Serpente, que até hoje mente, me rabisca o corpo, mas não sente.

(Baseado na canção “Tatuagem” de Chico Buarque e Ruy Guerra – Fernando Vieira, 16/12/08).

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

PC



Uma cidade às escuras.
Um silêncio subtendido.
A miniatura da urbe,
Cabendo o mundo todo.

Invisíveis faíscas...
E a cidade não se acende,
Muito embora seja claro
Ser ela incandescente.

Lembranças em seu espaço,
Nada mais, talvez menos.
Não cruze os seus limites:
A cidade morrerá!

De arquivos é que se vive.
Hoje em dia mais do que nunca!
Já que o saber não é tão progresso,
Quanto a memória a que se tem acesso.

(Fernando Vieira Primavera de 2008)

15 minutos

Dê-me quinze minutos do seu tempo
Nada mais além disso
Porque nossos relógios estão descompassados
Parecem fusos, nossos horários.

Quando mais profunda é a sua noite
Na minha terra o sol está a pino
E quando o sol se põe aqui,
Já começa a aparecer por aí.

Quem dera tivéssemos, cada um, um relógio
Assim poderíamos acerta-los,
Então os meus horários seriam os seus momentos
E nunca mais nos desencontrarmos.

Mas estamos no mesmo relógio
Como dois ponteiros que fogem um do outro
Se você está no doze, eu estou no seis
Se você está no nove, estou no três.

Por isso lhe peço, só quinze minutos
Não quinze minutos quaisquer
Somente os quinze das três
Ou os cinco da uma.

Porque, desse jeito, não como as pás dos moinhos,
Sejam os dez das duas,
Ou vinte pr’as oito,
Poderemos, então, ficar coladinhos.

Você contando as horas
Eu os minutinhos
Desses momentos tão gostosos
Que a gente fica juntinho.






(Escrito às 18:01, segunda-feira, 12 de novembro de 2007, para Emanuella)