segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Eu, eu e eu, ou seja: nós!




Eu não tinha nenhuma noção de técnicas de representação. Apenas fazia aquilo que minha intuição mandava. Para mim era sempre eu mesmo e nunca um personagem. Um sujeito veio em minha direção, após aquela apresentação amadora e me disse o seguinte: “Parabéns! Você esteve ótimo. Vi em cena um personagem mesmo, não era você”.Aquilo me deixou desconcertado, confesso. Não esperava aquilo, pois, na verdade, o elogio deixou um segredo que eu guardava meio que “vulnerável”. Na verdade ele não estava vulnerável, mas, não sei porquê, senti isso. Afinal, eu guardava aquele segredo a sete chaves. Ninguém poderia descobrir que eu, simplesmente, fazia como se fosse eu mesmo. Com a pulga atrás da orelha resolvi assistir a uma gravação da peça apresentada e me ver. Resultado: levei um susto ao ver outra pessoa ali, em cena, e não mais eu!
A gente entra, então, para um curso profissionalizante de teatro achando que finalmente vai aprender a encenar de verdade. E acabamos desprezando aquilo que nos era inerente, inato. De alguma maneira caí no erro de achar que em cena eu deveria entrar em um outro ser, um outro eu para, dessa forma trazer a verdade e centelha de vida ao palco. Nada como alguns equívocos para entendermos nossos processos! Hoje tenho uma visão mais clara de como é esse caminho da verdade cênica. E acho que o trecho abaixo explica bem o que penso a respeito:
“(...) Sei que isto que estou descrevendo, pessoas divididas em si mesmas, caracteriza o que se chama de doença mental e que vem a ser o oposto absoluto de nossa visão de integração emocional. Toda a visão do Ocidente sobre saúde mental se volta precisamente à direção oposta: o desejável é a congruência entre a autoconsciência e o ser natural. Mas existem aqueles cuja sanidade flui da separação consciente destas duas coisas. Se é que existe um ser natural, um eu irredutível, é bem pequeno, acho, e pode até ser a raiz de toda a personificação – o ser natural talvez seja a própria habilidade, a capacidade inata de personificar. Estou falando sobre reconhecer-se que se é nitidamente ator, em vez de se engolir inteiro o disfarce de naturalidade e fingir que não se trata de uma representação e sim de você”.
“(...) Tudo que posso lhe dizer é que eu, de minha parte, não tenho um eu e que me sinto sem disposição nem capacidade de perpetrar, eu mesmo, a piada de um eu. Não resta dúvida, trata-se de uma piada sobre o meu eu. O que tenho, isso sim, é uma variedade de personificações que sei fazer, e não só de mim mesmo – uma trupe de artistas que possuo internalizada, uma companhia permanente a quem posso convocar quando é preciso um eu, um estoque em expansão de peças e papéis que formam meu repertório. Mas com certeza não tenho um eu independente de meus esforços impostores e artísticos de ter um. Nem iria querer um. Eu sou um teatro e nada mais que um teatro”. (Philip Roth – O avesso da vida – página 363 e 364).


A experiência em cena é que nos faz descobrir nossos rumos, pois se num determinado dia eu não tivesse entrado, esbaforido, sem tempo para me concentrar no meu personagem, jamais lembraria do que é entrar em cena de verdade, viver outra pessoa embora sendo eu mesmo. Aí, como diria Peter Brook, a gente sempre acaba dando uma volta enorme para retornar à primeira coisa que a gente pensou. Eu voltei para meus tempos de amador e descobri o talento inato e reprimido por meu excesso de teoria. Há uma frase que o professor Zé Aires me disse e que jamais esquecerei, a qual corrobora, exatamente, essa questão dos “eus” de Philip Roth: “O personagem está na cabeça de quem? Na sua ou na do público?” A resposta é o público, porque nós, atores, não teremos este poder de viver outra vida a não ser que façamos apenas uma coisa: Escolher com quais dos nossos eus vamos trabalhar. Sendo nós mesmos, sendo outra vida! Viva o teatro.

8 comentários:

  1. “Dentro de mim há multidões, e isso não me transforma num ser falso nem sem personalidade.... As multidões me dão intensidade. Intensidade para ser tudo que eu poso ser, em cada momento que for preciso!”
    Uma vez li algo mais ou menos assim em algum lugar...
    E fazendo uma conclusão com seu texto: Somos nós mesmos em todos os momentos (palco e vida) explorando nossas infindas intensidades!

    ^^

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  2. Cara sabe que eu estou muito pensando nisso... até onde o "eu" está em cena...eu por exemplo nunca fiz teatro amador, nunca mesmo...fui parar no macu por um surto da minha parte!... eu li "A POrta aberta" recentemente... fiquei pensando nessa espécie de atuação que eu aprendi e que agora luto pra banir... o.O

    expulsar as coisas ruins e deixar as boas...sabe como é...

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  3. Meu querido, voltei.
    ainda respiro. meu coração ainda bate. e meu sangue circula. pensamentos ainda tenho. sentimentos tmb. e como!
    sim.
    tô viva.
    Vivíssima! E pronta para novas aventuras!
    Sexta.Sábado.Domingo. Sem falta. DOMUS MEA!

    bIsOuS

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  4. Fernandoooooo!!! I need to talk to u ASAP! SERIOUSLY!!!!! I need some good advices!
    many bisous!

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  5. MUCHAS GRACIAS MEU QUERIDO! te devo uma!
    um bjooooo

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  6. "Vive o teatro, vive
    Vive do nosso amor
    Vive o teatro, vive
    Enquanto houver o ator

    Viva o teatro viva
    Sobe o pano outra vez
    Viva o teatro viva
    Do aplauso de vocês"

    Isso é bom de se pensar. É autocrítica. Faz bem e é bom ter.

    E com relação aos "eus"...nos personagens são nossos pedacinhos. Sempre emprestamos algo nosso à eles. Um gesto, um jeito de falar...tudo, é emprestado!

    É que eu tô com idéias de dar aula e queria saber de textos inéditos, por isso pensei em você.

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  7. Como prometido cá estão meus contatos internéticos:
    messenger: nunu_l@hotmail.com
    skype: nubia.gennari

    bzzz

    n.

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  8. You started a joke, now, make us laught...

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